12.3.09

a bárbara e o jardim, o jardim e a bárbara

numa noite, em que a febre não me deixava dormir, pedi a um menino que me contasse a estória do jardim de santa bárbara; ele contou, eu fiquei bem melhor (não há melhor remédio!). depois ele disse: «bem, esta é a minha versão, agora quero a tua».
nessa altura eu tinha medo das minhas estórias, não era bem delas, tinha medo de lhas contar, que não gostasse delas, que me achasse lunática e ridícula e que nunca mais quisesse ser meu amigo. mas isso são coisas passadas e as coisas passadas são para ficar no sótão.
pois bem, hoje comi uma torta de morango nos jardins de santa bárbara; andava por lá um vento mansinho que a trouxe.
vou lá em cima guardar isto, deixo-vos a estória:
a bárbara tinha olhos de quem recebe a toda a hora boas notícias, daqueles que cintilam; tinha sapatos de verniz, daqueles que as baratas aproveitam para se ver ao espelho (grandes vaidosas!); «os cabelos eram de ouro e os pentes, de prata fina»; sonhava muito com o amor, foi sempre assim, mas, muito cedo percebeu que nenhum menino se interessaria por uma menina com barba.
por isso, raramente saía de casa e passava largas temporadas à janela a olhar as flores do jardim. muitas vezes andava numa tristeza de contrastar berrantemente com os olhos cintilantes, fez-se de tudo para resolver o caso: gillettes, máquinas de barbear, depilações com cera, esteticistas, especialistas no estrangeiro; resultado - a barba crescia ainda mais, ficava mais escura e rija, picava... pior, aperceberam-se que, de cada vez que a bárbara cortava a barba, as flores do jardim mirravam, secavam e acabavam por morrer.
certo dia, um belo dia em que a primavera se esqueceu da bússola e andava perdida no inverno, andava pela cidade um notável mercador de segredos. ao passar por aquelas bandas viu a bárbara à janela, os olhares cruzaram-se e num piscar de olho, lá se apaixonaram.
mas, o mercador também tinha uma particularidade, não podia ficar mais do que um dia e uma noite nas cidades que galgava, senão cresciam-lhe raízes nos pés e assim ficaria para sempre plantado.
à noitinha, o mercador voltou àquele lugar, tirou das arcas secretas sementes de amores-perfeitos e semeou-as para a bárbara não ter de sonhar apenas com o amor, para que assim pudesse vê-lo, regá-lo e cuidá-lo todos os dias. a bárbara nunca mais cortou a barba, e as flores cresciam coloridas e lindas.
8 punhados de anos se passaram, a bárbara ficou velhinha e como toda a gente acabou por morrer. algumas estações passaram e ela transformou-se em cinzas que foram atiradas ao jardim. outra vez as estações, e depois, houve um dia em que o mercador voltou à cidade e ao jardim, trazia todos os segredos em si e trazia as pernas já cansadas. depois passou um dia e uma noite e ele deixou-se ali ficar, junto a quem amava, ganhou raízes no jardim de santa bárbara.



p.s. se se fizer um truque com os olhos, e com uma mãozinha do tal vento mansinho, as flores parecem bolas às cores a cintilar. sim, como os olhos da bárbara.


3 comentários:

  1. ainda bem que perdeste o medo das tuas estórias.
    L.

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  2. "aceitas a minha prova de coragem?"... fez-me lembrar!

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  3. uma história que abafa o nosso coração. talvez, quem saiba, com raízes.

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