6.9.09

well it's been a long time, long time now since i've seen you smile*

a benedita sorria quando eu contava o que tinha passado para lhe trazer as folhas de linho da tia ana má. a benedita era um bocado vaidosa, eu ficava horas à espera dela e à procura de assuntos relacionados com fertilizantes e colmeias, que era a área de negócio do pai dela. mas eu gostava de a ver bordar e ela sabia os nomes de todas as flores. por ela eu calçava sapatos de vela e ia à missa, baixava a cabeça nas orações e dava beijos à alcina, a solteirona que fazia questão de se sentar ao meu lado. comia caril à indiana e pesto à genovesa, ajudava nas limpezas de sábado e fazia barbecue ao domingo.
a celestina era um bocado teatral mas era da cor do mar, o mar de pernas para o ar. colhíamos frutos, ela ficava tão gira com o meu macacão e ficava tão gira com o meu pijama. à tarde, bebíamos refrescos de limão e mel na esplanada, depois fazíamos a siesta na praia ou no relvado da avenida. à noite, bebíamos whisky e discutíamos política, éramos a simone e o sartre e depois íamos passear, eu dizia-lhe que as ideias fluem melhor quando se caminha e ela sorria. gostava de passear com a celestina, íamos os dois e éramos a preto e branco a passear num pomar de cores. por ela aprendi a conduzir ad hoc, a trocar pneus e a fazer girar pizzas. perdi o medo do mar.
com a antonieta ia ao jardim romântico da cidade, ela andava no baloiço e isso embaraçava-me um bocadinho, mas ela lia os livros do camilo no coreto e fazia um gracejo de bailarina sempre que a chamava princesa. depois vinha a banda, as folhas caíam a cada nota e tinham escrito assim: "sorri, pequena". estava com ela quando usei pela primeira vez óculos e parecia meio tonto a congratular-me com os neons e com o brilho do asfalto. por ela aprendi a tocar banjo, comecei a ler livros com mil e tal páginas e perdi o medo de ir à lenha à noite.
a olinda partia pratos quando estava zangada e ressonava, mas eu adorava dormir com ela, dormíamos com as pernas entrelaçadas e os corações dados. eu dizia: "gosto de ti, querida borralhinha", ela beijava-me atrás da orelha e sorria. depois, preparava o pequeno almoço, ia à cândida comprar o pão e o tempo de ir era o tempo do café subir e encher a casa de aroma bom, eu ficava na janela a vê-la bonita e com o cachecól a balouçar-se de este para oeste. ela voltava e eu fingia que tinha estado a dormir o tempo todo, ela dizia: "meu querido, dorminhoco" e deitava-se comigo com as galochas calçadas. por ela tolerava o antony, as piadas do malato e uma comida angolana muito esquisita chamada funge que a avó dela preparava. com ela foi-se o medo dos relâmpagos e das trovoadas, das ventanias e das tempestades.
amei-a. amei-a sempre. amei-a quando era a benedita, a celestina, a antonieta, a olinda.


*nantes, beirut.

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