24.10.09

i found the glasses

um dia descobriu que ela não era nada calma, ela sofria de tensão baixa. ela não era alta, usava saltos de 8 cm com calças e saias bem compridas que escondiam os saltos e só se via a biqueira dos sapatos. também não era morena, tudo produto do dove body milk de brilhantes, bronzeador para caucasianas, mulheres lindas, de vestidos, com uma ventoinha a fazer efeito de marilyn.
o sabor a praia não caía do céu, não, não era dos passeios dados em dias de chuva torrencial ou dos mergulhos no mar. até porque quando ela ia ao mar, era só para, além de devorar os gelados do senhor lima, ficar o tempo todo na toalha, debaixo do guarda-sol no seu biquini estilo pimba, a respeitar as bandeiras e só molhar os pés, só um bocadinho. na verdade, isto dos sabores a praia, a chuva, era das lágrimas que lhe caíam com uma facilidade de meter nervos, lágrimas de riso e lágrimas de choro.
e até a voz, a voz agridoce à cardinale e aquela boca que se abria para dizer «amo-te» e para receber beijos de língua e dizer outros disparates, agora dizia: «é daquelas com voz colocada», atirava um sorriso estúpido para a mesa de café e bebia a super bem geladinha.
depois lembrava-se dos lábios, lábios encarnados de baton antigo e escarnecia-lhe o perfume que sempre o endoideceu e que agora lhe revolvia o estomâgo. lembrava as mentiras e omissões guardadas na cave lado a lado com tapetes e armários de início do século passado, bicicletas tortas e sem mudanças, colchões verdes, azuis e cinzentos do mofo.
e as marcas que um dia fizeram doer o coração, agora cicatrizes bem cerradas, eram lições e motivo de conversa para novos engates, cobertas com novo papel de parede, novas estórias, novas paixões.
assim até ela derreter e deixar uma poça de cosméticos e outros artifícios no lugar da memória, descer do trono de deusa e tornar-se de carne e osso, um fantasma de carne e osso mas sem sangue, o sangue já havia escorrido, sendo toda a música dos dias e capítulos que fecharam juntos.

1 comentário:

  1. Isto ultrapassa tudo o que tenho lido... que força. Tu és qualquer coisa... que delícia ler-te.

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    P.s. estou em falta minha querida mas em breve ponho tudo em dia. LOve *

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